A frase “Agora meus olhos viram a salvação” é encontrada no Evangelho de Lucas (Lc 2,30) e faz parte do cântico de Simeão, conhecido como “Nunc Dimittis”. Este é um momento de grande significado espiritual, pois Simeão, um homem justo e piedoso, reconhece o Messias no menino Jesus. Seguindo o método da Lectio Divina, meditaremos sobre essa passagem através das quatro etapas: Leitura (lectio), Meditação (meditatio), Oração (oratio) e Contemplação (contemplatio).
1. Leitura (Lectio)
A passagem de Lucas 2,22-35 nos apresenta o contexto da apresentação de Jesus no Templo. Simeão, conduzido pelo Espírito Santo, reconhece em Jesus a esperança de Israel e a luz para as nações. O versículo 30 declara com firmeza: “Agora meus olhos viram a salvação”.
Essa expressão indica a realização da esperança messiânica, não apenas para Israel, mas para toda a humanidade. Simeão vê a salvação não como um conceito abstrato, mas como uma Pessoa: o próprio Jesus Cristo.
Outras passagens bíblicas que iluminam essa reflexão incluem:
- Isaías 52,10: “O Senhor manifestou seu santo braço diante de todas as nações, e todos os confins da terra verão a salvação de nosso Deus”.
- João 1,14: “E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, e vimos a sua glória, glória como do Unigênito do Pai”.
2. Meditação (Meditatio)
O que essa passagem nos ensina? Simeão é um exemplo de esperança perseverante. Ele esperou a vida inteira para ver a salvação de Deus e, ao contemplar Jesus, compreende que sua missão está cumprida. Isso nos convida a refletir: estamos atentos para reconhecer a salvação de Deus em nossa vida?
Os santos da Igreja nos oferecem insights preciosos sobre essa verdade:
- Santo Agostinho escreve: “Nosso coração está inquieto enquanto não repousa em Ti” (Confissões, I,1). Simeão encontrou esse repouso ao ver Cristo.
- Santa Teresa d’Ávila fala da “presença de Deus” como fonte de paz e plenitude.
- São Tomás de Aquino ensina que “ver Deus” é a suprema bem-aventurança (Suma Teológica, I-II, q.3, a.8).
A Salvação Já Veio em Cristo
Quando Simeão proclama “Agora meus olhos viram a salvação” (Lc 2,30), ele reconhece que a promessa messiânica se cumpriu. Jesus é o Salvador enviado por Deus, trazendo a redenção por meio de sua vida, morte e ressurreição. São Paulo confirma essa verdade em Tito 2,11:
“Manifestou-se a graça de Deus, trazendo a salvação para todos os homens.”
Portanto, a salvação já está disponível para toda a humanidade desde a Encarnação e o sacrifício redentor de Cristo. Quem crê e se une a Ele pelos sacramentos já participa da vida nova.
Mas Ainda Esperamos a Salvação Plena
Mesmo com a vinda de Cristo, ainda aguardamos a plenitude da salvação. Esse aspecto se manifesta de duas formas:
Na Segunda Vinda de Cristo (Parusia)
A Igreja espera a consumação final da salvação quando Jesus retornar em glória. Como diz Hebreus 9,28:
“Cristo, tendo sido oferecido uma vez para tirar os pecados de muitos, aparecerá pela segunda vez, sem pecado, para aqueles que o esperam para a salvação.”
Nesse dia, todas as injustiças serão reparadas e o Reino de Deus será plenamente instaurado.
No Momento de Nossa Morte
Para cada indivíduo, a salvação se concretiza pessoalmente ao fim da vida terrena. Após a morte, enfrentamos o juízo particular (Hb 9,27) e recebemos a recompensa eterna conforme nossa resposta ao chamado de Deus. A experiência de Simeão antecipa essa realidade: ao ver Cristo, ele encontrou a paz e o cumprimento da promessa de Deus. Da mesma forma, no momento de nossa morte, se tivermos vivido na graça de Deus, veremos a salvação em plenitude.
A Profecia de Simeão a Maria
Além de proclamar a chegada da salvação, Simeão dirige a Maria uma profecia significativa:
“Uma espada transpassará a tua alma” (Lc 2,35).
Essas palavras apontam para o sofrimento de Maria ao ver seu Filho cumprir sua missão redentora, culminando na cruz. Maria participa intimamente da Paixão de Cristo, e sua dor é um testemunho de seu amor e entrega total ao plano de Deus. Essa profecia nos ensina que a salvação não acontece sem sacrifício e que seguir Cristo muitas vezes exige carregar a cruz. Assim, somos chamados a confiar, como Maria, que todo sofrimento vivido na fé tem um propósito redentor.
3. Oração (Oratio)
Senhor, dai-me olhos espirituais para reconhecer Vossa salvação presente em minha vida. Que eu não espere apenas grandes sinais, mas perceba Vosso amor em cada pequeno gesto do dia a dia. Assim como Simeão, que eu possa acolher Jesus com alegria e paz, sabendo que Vós sois fiel às Vossas promessas. Amém.
4. Contemplação (Contemplatio)
Na contemplação, descansamos na presença de Deus. O que significa, para mim, ver a salvação? Como posso testemunhar essa experiência aos outros? Que a certeza da presença de Cristo nos encha de esperança e gratidão.
Conclusão
A salvação é uma realidade que já chegou, mas que ainda se desdobra. Hoje, vivemos na graça da Redenção e aguardamos sua consumação definitiva, seja na Segunda Vinda de Cristo, seja no momento em que nos encontrarmos com Deus face a face.
Podemos, assim, repetir com Simeão, na esperança firme do cumprimento total da promessa:
“Agora, Senhor, podes deixar teu servo partir em paz, pois meus olhos viram a salvação!”